O acaso trouxe-os para Celorico de Basto depois de terem chegado, há vinte e quatro anos, a Portugal, vindos da natal Moldávia. Engenheiros agrónomos, têm sobrevivido para lá da formação académica. O gosto pela agricultura mantém-se, contudo. Sonham concluir a casa que começaram a construir em Gagos. E um dia destes instalar por ali uma unidade de ecoturismo. Na sua diáspora tiveram três filhos. Que projetam ficar por Portugal. São os Necrasov.

Por Ana Margarida Pereira/Terras de Basto
À semelhança de outras geografias das Terras de Basto, Celorico tem sido, ao longo das últimas décadas, destino de várias famílias com origem no leste europeu. Vindos da Moldávia, Tatiana e Denis Necrasov chegaram a Portugal no início do novo milénio, em tempos marcados pela vaga migratória pós-União Soviética.
O percurso não foi linear: Algarve, Vila Real, Porto, Brasil. Só em 2023 se fixaram definitivamente em Celorico de Basto, precisamente em Gagos, onde compraram terreno e começaram a erguer a nova casa. Com três filhos – dois adultos, já a viver no Porto, e um mais novo, a iniciar o 3.º ano em Celorico – e um avô, de 87 anos, que entretanto se juntou à família, os Necrasov partilham uma história de integração feita de sacrifícios, mas também de acolhimento e reconhecimento.
Tatiana Necrasov, que se sentou à conversa com o Terras de Basto, foi a porta-voz das memórias da chegada a Portugal, da importância da língua materna e da descoberta das tradições locais. O resultado é o retrato de uma integração feita de esforço, partilha e esperança.
P. Em que contexto deixaram a Moldávia?
R. Casámos em 1999 e nessa altura a Moldávia já vivia tempos difíceis após a separação da União Soviética. O Denis veio primeiro para Portugal, com contactos de amigos que trabalhavam na construção. A ideia era ficar apenas meio ano, juntar algum dinheiro e regressar. Mas acabou por se legalizar em 2000 e eu vim em 2001, com o nosso primeiro filho, o Alexandru, de dez meses. Inicialmente não sabíamos se seria para sempre, mas o tempo passou… e já lá vão 24 anos!
P. Como aconteceu virem para Celorico de Basto?
R. Passámos por vários locais… Primeiro o Algarve, depois Vila Real, onde nasceu a nossa filha Sofia, mais tarde o Porto. Entre 2017 e 2022, vivemos até no Brasil, onde nasceu o Alexei, o mais novo. Só em 2023 nos mudámos para Celorico. Eu e o meu marido somos engenheiros agrónomos de formação e sempre quisemos voltar à terra. Encontrámos um terreno em Gagos, perto da igreja paroquial, e começámos a construir a nossa casa.

P. Que memórias têm dos primeiros tempos por cá?
R. Recordo-me dos pastéis de nata e do vinho verde “Casal Garcia”, que adorei logo. Não falava uma palavra em Português, mas aprendi com esforço e apoio dos vizinhos. As pessoas foram extraordinárias: ofereciam-nos batatas, repolhos, até roupas para o menino. Fiquei impressionada com a solidariedade. Na Moldávia não é assim; o povo português é muito acolhedor.
P. Foi fácil a integração dos filhos?
R. O Alexandru veio bebé, cresceu em Portugal e fala português como primeira língua. A Sofia nasceu cá, por isso considera este o seu país. O mais novo nasceu no Brasil, mas sente Portugal como a sua casa.
P. A propósito, que tradições moldavas mantêm em casa?
R. Sobretudo na gastronomia… Cozinho pratos moldavos, para matar saudades, especialmente porque o meu pai, que vive connosco, prefere os sabores da sua terra. Mas também seguimos as tradições cristãs do Natal e da Páscoa, muito semelhantes às portuguesas.
P. O que é que a imigração mudou na vossa dinâmica familiar?
R. Na Moldávia, formámo-nos em Agronomia, mas em Portugal tivemos de trabalhar noutras áreas. O Denis dedicou-se à construção civil, eu trabalhei em limpezas, talhos e mais tarde concluí um doutoramento em Agronomia no Porto. No entanto, nunca foi fácil exercer na área académica. A vida familiar teve de se adaptar a essas mudanças.
P. E hoje, o que fazem em Celorico de Basto?
R. Estou desempregada, à procura de emprego na minha área. Entretanto, fazemos trabalhos sazonais, como vindimas no Douro e apanha de mirtilos. Também cuidamos da nossa horta, onde cultivamos de tudo um pouco.
P. Como se relacionam com a comunidade local? Tem sido fácil?
R. Muito bem. Os vizinhos são afáveis e até já conhecemos várias pessoas da Câmara Municipal. O acolhimento foi excelente.
P. Participam na vida comunitária, nas associações locais?…
R. Ainda pouco, mas o Alexei, o mais novo, já participou no desfile da Festa das Camélias.
P. Que aspetos mais relevantes da cultura moldava procuram transmitir aos filhos?
R. A nossa língua, é fundamental. Falo romeno com os meus filhos, porque acredito que conhecer a língua-mãe enriquece e mantém a ligação às origens. Também mantemos a gastronomia e os laços familiares, com visitas de parentes da Moldávia. [NR – Na Moldávia, a língua oficial é o romeno, chamado oficialmente de “limba română”. Historicamente, também se usava o termo “moldavo” para designar a língua, mas linguisticamente não é uma língua diferente, é essencialmente a mesma língua que o romeno, com algumas variações regionais].

P. O que destacam da identidade portuguesa à vossa volta?
R. Adoro as festas populares, a vindima tradicional e a variedade agrícola possível neste clima. Aqui cultiva-se quase todo o ano, algo impensável na Moldávia. Também gostava de aprender a fazer pão em forno a lenha, como as senhoras mais antigas da aldeia.
P. Quais foram as maiores dificuldades de integração até agora?
R. A língua, no início, claro. Mas sobretudo a burocracia. Passámos noites em filas para tratar da documentação, muitas vezes em Lisboa. Também a saúde precisa de melhorar: há falta de especialistas e longas listas de espera.
P. Que sonhos têm para o vosso futuro em Portugal?
R. O nosso maior objetivo é concluir a casa em Gagos. Depois, sonhamos criar um projeto de ecoturismo, aproveitando a ligação à agricultura e à natureza.
P. Como imaginam o futuro dos vossos filhos em Celorico de Basto?
R. Espero que o Alexei siga para a universidade e, quem sabe, se dedique à agricultura connosco. Os mais velhos já estão no Porto: o Alexandru trabalha em telecomunicações e a Sofia formou-se em Som e Luz. Tornou-se mãe há pouco tempo e deu-nos uma netinha. Gostava que o mais novo pudesse ter um futuro aqui em Celorico de Basto, sem ter de partir. [TB].






