FRANCISCO TEIXEIRA ALVES (*)
Passam 51 anos sobre a “revolução dos cravos”, mas passam também 50 anos sobre as primeiras eleições livres, que permitiram a eleição da Assembleia Constituinte.
Na verdade, a “revolução dos cravos” que derrubou a Ditadura e abriu caminho à Liberdade, possibilitou que uma Assembleia constituída por representantes do povo, a partir da livre expressão da vontade popular, através de eleições de sufrágio universal, aprovasse a Constituição da República que fundou o Estado Democrático em que hoje vivemos.
Uma Constituição que, à época, teve seguramente alguns aspetos tratados que se prendiam com a vida e a política do seu tempo, mas que as várias revisões foram aperfeiçoando, tornando-a pedra angular do nosso regime democrático. Com efeito, na sequência da revolução, restituiu aos portugueses os direitos e liberdade fundamentais.
A Assembleia Constituinte, ciente da sua responsabilidade de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito Democrático, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno, aprovou, por maioria, ao fim de quase um ano de trabalhos constituídos, no dia 2 de Abril de 1976, a Constituição da República Portuguesa.
Esta foi uma vitória do povo português, que naquelas primeiras eleições livres, em 25 de Abril de 1975, votou massivamente, com mais de 90% de participação, demonstrando inequivocamente a sua adesão ao regime democrático. Por isso, o dia de hoje, o dia de celebrar Abril, pode e deve ser justamente um dia para honrar o povo, os democratas e os constituintes.
Pode e deve ser também um momento de renovação da esperança no futuro do país. Pode e deve ser ainda um momento de reconciliação dos governados com os governantes, exigindo-se deste uma cultura de responsabilidade, de seriedade, de rigor no exercício da vida pública.
Sim, cultura de exigência e responsabilidade no exercício de funções públicas dos eleitos, estejam no poder ou na oposição, na Assembleia da República, no governo, nas magistraturas pedra-basilar de um Estado de Direito ou nas autarquias locais.
Uma responsabilidade que deve também orientar todos aqueles que são garantes do funcionamento do Estado. E neste dia em que recordamos o 25 de Abril de 74, um dia fasto da História de Portugal, não podemos ignorar nem esquecer aqueles que tornaram possível a queda de um regime político decrépito e opressivo. Os “capitães de Abril” e todos os demais militares, organizados num movimento das ruas, que tornou possível o sonho.
O sonho da paz. O sonho da liberdade. O sonho da democracia. O sonho do desenvolvimento.
Para eles, a razão da nossa honra e agradecimento. Terminava assim uma guerra estúpida que ceifou a vida a quase 10 mil militares portugueses.
E foi graças à revolução levada a efeito pelos militares, mas a cujo resultado eficaz, rápido e sem desenho não foi alheia a enorme adesão popular, que não mais as mães deste país viveram a angústia de ver partir os seus filhos para o campo da batalha sem saber se voltariam ou se ficariam com medo de poder avançar.
É certo que essa realidade diga muito pouco à maioria dos portugueses que tiveram a sorte de nascer já num país livre e democrático. E talvez por isso esta celebração se revista de uma maior importância.
É fundamental revisitar a história para que saibamos de onde partimos, onde estamos e para onde queremos caminhar, conquistarmos a liberdade.
A liberdade de sermos cidadãos de pleno direito, na autonomia e na escolha. A liberdade de sermos e estarmos onde quisermos e com quem quisermos. A liberdade de escrever e ler o que entendermos.
A liberdade baseada na dignidade da pessoa humana que nos permitiu conseguir avanços importantíssimos na realização da justiça social, na educação, na saúde e no bem-estar social. Consolidarmos a democracia política a que acresce a democracia social, cultural e económica. Numa verdadeira emancipação coletiva em que não somos constantes, poderosos, ousados e sem estruturas que esmagam os demais, se não mesmo a humanidade.
O poder local que desde 1976 tem sido responsável pela transformação dos territórios do litoral ao interior, do norte ao sul do país. Transformação que não se esgota na construção de infraestruturas tão necessárias e elementares à qualidade de vida e bem-estar de todos, mas que se tem assumido como pilar fundamental na transformação social e cultural das comunidades.
E, por isso, honro também todos os autarcas que desde as primeiras eleições, em representação do povo que livremente os escolheu, são intérpretes do seu querer e dos seus legítimos anseios, promovendo o desenvolvimento político, económico, cultural e social.
Mas este é também o momento de recordar que o processo de desenvolvimento do nosso país, da nossa região e do nosso concelho não se deve apenas ao protagonismo da Administração Central ou Local. O papel da sociedade civil e das suas instituições tem sido fundamental na promoção do bem comum.
Honra, por isso, também ao movimento associativo cultural, educativo, desportivo, social e aos seus dirigentes, que tanto têm efeito pela promoção do património, das tradições, do saber, do conhecimento e do desporto e também do bem-estar social e tantos mais. Honra ainda aos empresários que promovem o desenvolvimento econômico e criam emprego e riqueza.
Evocamos hoje o “25 de Abril”, evocamos os valores da afirmação da vontade livre dos portugueses, que representou uma opção inequívoca em favor da liberdade, da democracia, da participação cívica e da justiça social, um marco com consequências recebidas de Portugal.
Passaram 51 anos, o país mudou muito, o mundo mudou radicalmente, a história acelerou-se, ruíram impérios, novas tecnologias tornaram obsoletos conceitos, alteraram-se dogmas, surgiram novos desafios, novas exigências e novos rumos.
Mas, ao contrário do que poderíamos pensar, a liberdade, a democracia, o bem-estar social e a paz estão hoje gravemente ameaçados. Vemos, ouvimos e lemos, como se renovaram vontades de criação de novos impérios, recorrendo mesmo à guerra.
Vemos, ouvimos e lemos manifestações de nascimentos livres e carregados de fundamentalismo religioso e a banalização do discurso do ódio e do racismo. Vemos, ouvimos e lemos sobre o economicismo egoísta e sobre tantos outros perigos que julgávamos definitivamente erradicáveis. O futuro está ameaçado por movimentos extremistas.
Como disse Maria Teresa Horta, poucos anos antes da sua morte, as coisas avançaram evidentemente, mas o fascismo está sempre a espreitar uma ocasião, um buraquinho, um sítio, um país e um ser humano. Está sempre ali para saltar em cima. Por isso, é importante que nos mantenhamos atentos e que não hesitemos quando necessário na defesa dos valores de Abril.
O que é que os valores de Abril nos proporcionaram? A liberdade, a libertação, a democracia, a solidariedade e a tolerância. A democracia é o regime da participação consciente dos cidadãos, do exercício do espírito crítico e da autonomia do pensamento livre, da abertura às razões dos que discordam e mesmo aos que manifestamente tudo farão para destruir tanto espaço que eles, um dia, com o poder não demorarão a eliminar. Apesar de todas as dificuldades e imperfeições, acreditar-se que viver em democracia é o único caminho de valorização da cidadania e da participação e do respeito por todos.
E, para finalizar, quero expressar ainda o meu sentimento de gratidão para com todos os portugueses em geral, e dos que, ao longo destas cinco décadas, não se tenham poupado a esforços para, conjuntamente com os poderes públicos, ajudar a construir um mundo melhor.
Os professores, os investigadores, os médicos e enfermeiros, os militares, os agentes da autoridade, os homens e mulheres da cultura, os profissionais liberais, os operários e todos os outros que compõem esta sociedade democrática que queremos participativa e tolerante. E aproveito a oportunidade, num verdadeiro espírito de Abril, para incitar todos e cada um a continuarmos a aprofundar o combate para que a nossa terra, Cacheiras de Basto, seja cada vez mais livre, mais solidária e mais justa.
Este é um ideal muito nobre, pelo qual podemos e devemos lutar desinteressadamente. Que o interesse coletivo seja sempre muito mais importante que o interesse particular. Viva Cabeceira de Bastos, viva Portugal, viva o 25 de Abril.
(*) Presidente da Câmara de Cabeceiras de Basto; intervenção feita esta sexta-feira (25) na sessão solene evocativa do “25 de Abril”.