João Paulo Mesquita
Duas realidades datadas se impõem nestes dias que vivemos e ambas implicam com a nossa identidade. A Páscoa católica e a revolução do “25 de Abril” podem muito bem ser vistas como dois momentos de libertação, cada um no seu campo — espiritual e político-social —, mas que se cruzam em valores fundamentais como a esperança, a renovação, a vida nova e a libertação do sofrimento.
Mesmo para aqueles para quem o fenómeno religioso não é mais do que uma referência da sua matriz cultural, a Páscoa não deixa de ser uma celebração da ressurreição de Jesus Cristo após a sua paixão e morte. É, claro, o momento central da fé cristã, representando a vitória da vida sobre a morte, da esperança num futuro novo, da libertação do pecado e do sofrimento, de um chamamento à solidariedade, fraternidade e amor ao próximo. É uma festa profundamente marcada pela ideia de passagem: da escravidão à liberdade, recordando o êxodo do povo hebreu, da morte à vida, das trevas à luz.
Ora, a “Revolução dos Cravos” também foi uma “passagem” do regime opressivo do Estado Novo para a liberdade democrática. E alguns valores fundamentais a definem, como a liberdade de expressão, de imprensa, de associação; o fim da censura e da repressão; o direito à autodeterminação; a justiça social e a igualdade; a esperança coletiva num país novo. Foi a libertação de décadas de medo, guerra, silêncio e pobreza.
Sem forçar, podemos identificar, assim, um paralelismo simbólico e espiritual entre ambas as datas. Se temos na Páscoa a libertação do pecado ou da opressão espiritual, temos no “25 de Abril” a libertação do regime ditatorial. Se temos a ressurreição e uma vida nova, temos igualmente o renascimento da democracia. Se temos esperança num futuro melhor, temos também esperança num país mais justo. Se as nossas comunidades se reúnem para celebrar a ressurreição, também o povo unido se junta nas ruas de cravo na mão. E se atravessámos o deserto da dor para a terra prometida, também rompemos com a noite do fascismo rumo à liberdade.
Como resulta evidente, ambos os momentos sublinham a dignidade do ser humano e o direito à liberdade, seja ela espiritual ou cívica. Ambos os momentos, resulta também evidente, valeram a pena.
Aos leitores, uma Páscoa feliz e um “25 de Abril” de muita esperança.