O Padre João Torres, natural do Arco de Baúlhe, é o mentor do Presépio Vivo de Priscos, em Braga. Verdadeira viagem ao passado, com uma dimensão e riqueza de cenários que vão além da recriação da Família de Nazaré e do seu quotidiano, envolve centenas de figurantes e mais de noventa cenários que transportam os visitantes para a realidade histórica, cultural e religiosa da Natividade. «É muito mais do que uma representação artística ou cultural, é um presépio de causas e de pessoas», diz João Torres ao Terras de Basto, considerando que “o maior presépio vivo da Europa” carrega «uma missão profundamente transformadora».
João Paulo Mesquita (CP8809)
P. Quando falamos do presépio, estamos a falar de quê, Padre João Torres? Falamos de uma representação iniciada por São Francisco de Assis… O Papa publicou recentemente sobre este tema…
R. Quando falamos do presépio, estamos a falar de uma representação que tem a sua origem em São Francisco de Assis. Em 1223, movido pelo desejo de tornar o nascimento de Jesus mais próximo e tangível às pessoas, organizou o primeiro presépio vivo na pequena aldeia de Greccio, na Itália. Utilizou pessoas e animais reais para encenar a natividade, destacando a simplicidade e a humildade do nascimento de Jesus. Desde então, a tradição do presépio foi-se espalhando pelo mundo, assumindo diversas formas, desde representações vivas até pequenas figuras esculpidas.
O Papa Francisco, no documento “Admirabile Signum” (“O Admirável Sinal”), publicado em 2019, reflete sobre o significado do presépio. Escreve-o como um «sinal simples e maravilhoso da fé cristã» e destaca a importância de manter viva esta tradição. O presépio não é apenas uma memória, mas um convite para redescobrirmos o mistério do amor de Deus, que se fez homem, pobre e humilde, para estar perto de nós. Portanto, ao falarmos do presépio, estamos a falar de mais do que uma representação histórica. É um símbolo que nos convida a contemplar e celebrar o maior presente à humanidade: o nascimento do Salvador.
P. O Padre João Torres é o mentor de um projeto de referência neste contexto. Independentemente da expressão artística, o que diferencia o Presépio Vivo de Priscos de qualquer outro presépio?
R. O Presépio Vivo de Priscos é muito mais do que uma representação artística ou cultural; ele é um presépio de causas e de pessoas. É essa dimensão humana e solidária que o diferencia de qualquer outro presépio. Além de ser “o maior presépio vivo da Europa”, envolvendo centenas de figurantes e oferecendo uma experiência imersiva do quotidiano do mundo antigo, carrega uma missão profundamente transformadora.
Em cada edição, o Presépio Vivo de Priscos apoia causas sociais relevantes, dando visibilidade e contribuindo para projetos de solidariedade. Um dos seus principais focos é o apoio a reclusos, promovendo a reintegração social e a dignidade humana. Além disso, inclui vítimas de crimes, integrando-as em diferentes edições como parte do espírito de cura e reconciliação.
O Presépio vai ainda mais além, estendendo a sua solidariedade a causas internacionais, como o apoio a projetos em Moçambique, reforçando o compromisso com os mais vulneráveis, independentemente das fronteiras.
Esta combinação de dimensão artística, espírito comunitário e compromisso solidário torna único o Presépio Vivo de Priscos. Ele não é apenas uma representação natalícia, mas uma celebração da vida, da inclusão e da esperança, valores que estão no coração do verdadeiro espírito de Natal.
P. Era esse o intuito da criação desta manifestação natalícia e deste movimento em que se tornou o Presépio de Priscos?
R. Sim, o Presépio Vivo de Priscos nasceu com o intuito de unir a comunidade em torno do espírito natalício e dos valores que ele representa. Desde o início, a proposta foi criar um espaço onde todas as pessoas, independentemente da sua origem ou condição, pudessem envolver-se num lugar de encontro, partilha e celebração da vida.
Mais do que uma manifestação artística ou uma simples representação natalícia, o Presépio de Priscos transformou-se num movimento que promove a união, a solidariedade e o espírito de serviço à comunidade. Reúne centenas de figurantes, voluntários, famílias e visitantes, todos ligados por um propósito comum: dar vida à mensagem de Amor e Esperança que o Natal representa.
P. O Padre João Torres é o mentor deste projeto. Qual foi mesmo a ideia inicial de há 18 anos atrás? Naquele tempo em que ainda não vislumbrava o alcance que ele tem hoje… Por certo, não imaginava que estava a lançar uma das manifestações mais marcantes da quadra natalícia da região?
R. No início, era um pequeno gesto, quase caseiro, pensado para a paróquia e para as famílias locais. O objetivo era aproximar as pessoas, criar laços, e tornar o Natal mais vivo e significativo. Ver o presépio crescer, transformar-se e chegar tão longe é algo que só posso atribuir à graça de Deus e à dedicação de todos os que, ao longo dos anos, se juntaram a este sonho. Não foi obra de uma só pessoa, mas de uma comunidade inteira, movida pela vontade de fazer o bem e de transmitir uma mensagem de esperança e amor. O alcance que o Presépio tem hoje é, para mim, um sinal de que quando agimos com humildade e propósito, algo muito maior pode nascer. Este Presépio não é só de Priscos; tornou-se uma ponte para unir pessoas e levar a mensagem do Natal muito além do que poderíamos imaginar.
P. Quem foram as pessoas e entidades que primeiro aderiram e o ajudaram a levar a iniciativa a tal ponto? Quem acreditou consigo no lançamento deste projeto?
R. O projeto contou, no início, com o entusiasmo de alguns adultos da comunidade e, especialmente, do grupo de jovens de Priscos. Foram eles que acreditaram comigo na ideia, mesmo sem imaginarmos a dimensão que o Presépio atingiria. Eram pessoas com um grande espírito de serviço e um coração aberto, dispostas a dedicar o seu tempo e energia para dar vida a este sonho.
Foi essa união de esforços, com os primeiros figurantes a vestirem os trajes e a montarem os cenários de forma simples e artesanal, que deu o pontapé inicial ao Presépio Vivo. Houve uma confiança mútua, uma partilha de talentos e uma vontade de fazer algo especial para a comunidade que ultrapassasse o mero evento e se tornasse numa vivência verdadeira do espírito natalício. Sem essas pessoas e o seu comprometimento, o projeto nunca teria saído do papel. Foram os primeiros passos dados em conjunto que permitiram que o Presépio Vivo se transformasse no que é hoje. E essa memória inicial de trabalho em equipa é algo que guardo com muita gratidão.
P. E hoje, quem faz este trabalho consigo? O evento envolve centenas de figurantes e voluntários, não é assim?
R. Atualmente, o Presépio Vivo de Priscos é possível graças a uma equipa muito bem organizada e comprometida. Contamos com mais de 70 líderes que coordenam diferentes áreas, desde a logística até à organização de cenários e figurantes. Para além disso, temos cerca de 600 figurantes que dão vida ao Presépio, encarnando as diversas personagens e recriando o ambiente histórico e cultural do nascimento de Jesus.
É, sem dúvida, um trabalho em equipa. Cada pessoa, independentemente da sua função, tem um papel essencial para que o evento aconteça com a qualidade e o significado que queremos transmitir. Este espírito de união e partilha é o que torna o Presépio Vivo tão especial, refletindo a mensagem de comunhão e solidariedade que celebramos no Natal.
P. Quer falar-me de outra particularidade relevante: a participação dos reclusos da Cadeia de Braga na execução do presépio. Desde quando? Com que objetivos?
R. Desde outubro de 2015, os reclusos do Estabelecimento Prisional de Braga têm participado no Presépio Vivo de Priscos, trazendo uma dimensão muito especial a esta iniciativa. O principal objetivo é promover a inclusão e a dignidade humana, mostrando que todos têm um papel valioso a desempenhar na sociedade, independentemente da sua situação de vida.
A participação deles é uma oportunidade de reabilitação social e pessoal, permitindo-lhes sentir-se úteis, valorizados e parte integrante de algo maior. Para além disso, é um gesto concreto de acolhimento e solidariedade, em sintonia com a mensagem do Natal. Este envolvimento não só enriquece o Presépio com histórias de superação, mas também desafia a comunidade a olhar para os reclusos de uma forma mais humana e menos preconceituosa, reconhecendo a possibilidade de transformação e esperança.
P. Para quem não faz ideia sobre a dimensão e as características deste presépio vivo, importa-se de lho apresentar, descrevendo minimamente os vários cenários, sabendo nós que não se limita a recriar a história da família de Nazaré…
R. O Presépio Vivo de Priscos é uma verdadeira viagem ao passado, com uma dimensão e riqueza de cenários que vão muito além da recriação da história da família de Nazaré. É composto por mais de 90 cenários cuidadosamente preparados, que transportam os visitantes para a realidade do tempo de Jesus, recriando o ambiente histórico, cultural e religioso da época.
Entre os muitos cenários, destacam-se a gruta de Belém, onde nasce o Menino Jesus, a aldeia dos judeus, é um dos cenários mais envolventes do presépio, criando uma atmosfera de realismo e imersão na história e na cultura judaica do século I.
Temos um acampamento militar de montanha, que inclui figuras de soldados com trajes típicos da época, com armaduras, capacetes e escudos, e que realizam atividades como patrulhamento, exercícios e conversas, dando um toque realista ao ambiente. O cenário é enriquecido por detalhes como fogueiras, barracas feitas de materiais rústicos e utensílios de uso diário, que mostram a preparação e as condições de vida dos militares numa área montanhosa.
Temos a aldeia dos romanos, com as suas casas e oficinas, e o mercado, que recria as trocas comerciais típicas do período. Há também representações do Palácio de Herodes, da sinagoga e das aldeias, onde se retratam profissões e rotinas do quotidiano.
Cada espaço é enriquecido com figurantes que dão vida às personagens, recriando profissões, costumes e rituais de dois mil anos atrás. Este cuidado e atenção ao detalhe fazem do Presépio Vivo de Priscos, não apenas uma manifestação religiosa, mas também um evento cultural e educativo, com uma mensagem universal de paz e acolhimento. É uma experiência única, que surpreende pela dimensão e pela forma como envolve todos os sentidos.
P. O presépio oferece aos visitantes quatro grandes momentos: “O Casamento Judaico”; “Cortejo da Luz”; “O Julgamento” e “O Funeral”. Não se corre o risco de sobredimensinar o lado folclórico deste evento?
R. O Presépio Vivo de Priscos foi pensado para transportar os visitantes para a época em que Jesus viveu, recriando a vida e as tradições daquele tempo de forma autêntica e respeitosa. As cenas representadas, como “O Casamento Judaico”, “Cortejo da Luz”, “O Julgamento” e “O Funeral”, não são apenas momentos folclóricos, mas sim elementos que fazem parte do quotidiano e da experiência da cultura judaica antiga.
Cada uma dessas representações tem o objetivo de ilustrar diferentes aspetos da vida social, cultural e religiosa do povo da Judeia, trazendo uma dimensão mais profunda à narrativa do presépio. Esses espetáculos são pensados para enriquecer a compreensão do contexto histórico e das tradições em que a história do nascimento de Jesus aconteceu. O objetivo não é apenas entreter, mas educar e promover uma reflexão sobre o significado das celebrações e da vivência das pessoas naquela época.
Portanto, essas cenas não sobredimensionam o lado folclórico; pelo contrário, elas ajudam a oferecer uma visão mais completa e realista da vida no tempo de Jesus, demonstrando como elementos do quotidiano, das festividades e até dos momentos mais difíceis faziam parte da experiência de vida daquela comunidade.
P. Ainda estamos perante «um dos maiores e mais autênticos presépios vivos da Europa»?
R. Sim, o Presépio Vivo de Priscos continua a ser reconhecido como um dos maiores e mais autênticos presépios vivos da Europa. Esta afirmação reflete não apenas a sua dimensão em termos de espaço e número de figurantes, mas também a fidelidade e o cuidado com que a história e a cultura da época de Jesus são recriadas. A importância deste Presépio vai além do seu lado espetacular; é uma celebração viva e uma expressão de fé e comunidade que continua a destacar-se a nível europeu.
P. Como tem reagido a Igreja a esta realidade, designadamente a Arquidiocese? Já teve a visita de grandes nomes da hierarquia…
R. A Igreja, especialmente a Arquidiocese de Braga, tem reagido de forma extremamente positiva ao Presépio Vivo de Priscos. Tanto D. Jorge Ortiga, quanto D. José Cordeiro, arcebispos de Braga, sempre demonstraram um grande apoio e reconhecimento pela importância e relevância deste evento, destacando-o como uma expressão autêntica da fé e da tradição cristã.
Já fomos visitados por D. Rino Passigato, antigo Núncio Apostólico de Portugal, e por três cardeais da Cúria Romana — D. Manuel Monteiro de Castro, D. Lorenzo Baldisseri e D. Mario Grech —, que trouxeram mensagens dos papas Bento XVI e Francisco. Além disso, tivemos a honra de receber D. Luiz Lisboa, antigo bispo em Moçambique, assim como vários bispos de Portugal, que reconheceram a importância e o impacto do nosso presépio.
P. Para além das localidades mais próximas, sabe de onde vêm os visitantes do presépio? Tem números sobre as visitas? As visitas são pagas?
R. O Presépio Vivo de Priscos atrai visitantes de todo o país e até do exterior, demonstrando a sua dimensão e notoriedade. Recebemos pessoas de várias regiões de Portugal, bem como visitantes internacionais, nomeadamente de Espanha, que vêm em busca de uma experiência única e culturalmente enriquecedora. Em termos de números, o evento tem atraído anualmente dezenas de milhares de visitantes, consolidando-se como uma das maiores manifestações de Natal da região e uma das mais relevantes de toda a Europa.
As visitas ao Presépio Vivo de Priscos têm um custo de 5 euros, que é recolhido como donativo. Este valor destina-se a apoiar as obras de construção e reabilitação que envolvem a participação dos reclusos, promovendo a sua reintegração e desenvolvimento pessoal.
Importa salientar que as crianças até aos 16 anos não pagam, assim como pessoas portadoras de deficiência. Além disso, as visitas organizadas por instituições de solidariedade social, escuteiros, grupos de catequese e grupos de jovens também são isentas de pagamento, reforçando o caráter inclusivo e solidário do evento. [JPM].