Foi, à época, uma das principais embaixadoras das Terras de Basto e, se ainda existisse, estava prestes a comemorar o centenário da fundação. É para fixar a história possível e sublinhar o seu importante contributo no combate ao isolamento de toda a região que dois autodidatas locais trabalham neste momento a recolha de «todo e qualquer elemento que testemunhe a história» da “Auto-Mondinense”, transportadora fundada a 31 de dezembro de 1929 na vila de Mondim de Basto.
Esta empresa – sublinhe-se – desempenhou papel fundamental no desenvolvimento económico e social das Terras de Basto ao assumir-se como o grande agente da mobilidade entre localidades e ao facilitar o acesso a serviços essenciais, assim contribuindo para a melhoria da qualidade-de-vida das populações locais.
Acabando integrada numa estrutura empresarial maior, a empresa continua a ser lembrada como marca emblemática da história contemporânea desta região, bem assim como da própria história dos transportes em Portugal, especialmente nesta zona de transição entre Minho e Trás-os-Montes, entre o interior profundo e o litoral portuense.
Fernando Gomes, ex-autarca e empresário na área do turismo, além do gozo que lhe dá mais este contributo para a história local, tem razões familiares para assumir a empreitada de buscar o que anda por aí disperso. É neto de um dos fundadores e, durante anos, seu principal rosto: Silvério Maria Gomes Nobre, casado com senhora da Casa da Igreja.
Já Luís Pires de Sousa, celoricense, tem razões sentimentais para se meter nestes trabalhos, ele que, mantendo-se hoje ligado ao transporte de passageiros, tem no pai e num avô as raízes desta forte relação com a empresa.
Fernando Gomes e Luís Sousa uniram, assim, esforços na vontade conjunta de recolher informação para fixar a história da empresa e o seu objetivo é conseguir pô-la em livro «até lá para o final deste ano», razão que os leva, logo no início desta conversa com o Terras de Basto, a solicitar o empenho de «quem tiver lá por casa algo que possa dizer respeito» à laboração da empresa, das fotografias das camionetas aos passes, bilhetes ou livres-trânsito, a fazerem-lhes a doação ou o empréstimo temporário.
Mas lançam outro desafio a quem ler este texto: «gostávamos muito de ter histórias contadas na primeira pessoa: peripécias de viagem, histórias de vida que se cruzem com a existência da empresa, vicissitudes que impliquem com uma viagem… Tudo isso nos pode ajudar a apurar a história que se procura fazer», pede Fernando Gomes.
Tudo começou nas mercadorias e no Correio
Curiosamente, a “Auto-Mondinense” – que, além de Silvério Nobre, teve em Nuno Álvares de Carvalho o outro fundador – não começou a sua história com o transporte de passageiros, antes o fez com uma licença para transporte de mercadorias, precisamente entre Cerva (Ribeira de Pena) e Fafe, bem assim como para transporte do Correio.
O transporte de passageiros em camioneta – que permitiu a expansão da sociedade – teria o seu início em 1932, com duas rotas de Mondim de Basto para Cerva e também para o Porto.
A expansão no pós-guerra – lembra Fernando Gomes — foi rápida e incluiu serviços a partir de Guimarães, onde foi criada uma segunda base operacional, precisamente onde se encontrava parte considerável do espólio que daria contributo fundamental para esta ideia de fazer a história da empresa, mas que, com a sua alienação, foi «varrida para o lixo».
De acordo com a informação entretanto recolhida, a expansão da altura incluía rotas para áreas onde a empresa deixou mais tarde de operar, como Valpaços, Vila Pouca de Aguiar (autorizado em maio de 1943), Carrazedo de Montenegro, Chaves (fevereiro de 1944), Cerva ou Vila Real (junho de 1953).
A rede expandiu-se sobretudo para ligar Celorico de Basto e Cabeceiras de Basto a outras localidades e também a Guimarães, Santo Tirso, Porto e Amarante, no sul, através de um serviço a partir de Mondim de Basto.
Em 1963, Nuno Carvalho passou as suas ações para Luís Costa Rodrigues e família, enquanto Silvério Nobre dividiu a sua participação entre os três filhos (José Maria Carvalho Gomes – “Zéquinha”, Silvério Maria Gomes e Alfredo Maria Gomes) e, após a morte, em 1974, a empresa passou a ser gerida por Luís e José Maria Carvalho Gomes, até à sua venda à “Lagalgeste” (Grupo Joalto), em 1996.
Recorde-se que muitas outras concessões de rotas foram permitidas à empresa nas décadas de 1960 e 1970, incluindo de Santo Tirso para Vila das Aves e Portela, de Guimarães para Penha via Covas e São Romão, de Guimarães para Fornalha e São Paio, de Mondim de Basto para Bilhó e Vila Real e de Celorico de Basto para Borba da Montanha.
Em 1978, os serviços de Mondim de Basto para Lisboa, por exemplo, foram operados sob a marca “Boa Nova”, acordo que juntava as empresas “Cabanelas & lrmão”, “João Carlos Soares” e “João Ferreira das Neves”, utilizando um autocarro “UTIC-Leyland”, de 54 lugares, que operou com essa imagem durante algum tempo.
Na década de 1990, a empresa deixou de fazer serviços para Valpaços, Chaves, Vila Pouca de Aguiar ou Vila Real, mas, no caso de Vila Real, continuaram os serviços diretos a partir de Mondim de Basto, três vezes por dia, isto enquanto na rota da empresa “Cabanelas” para Vila Real era necessário mudar em Aveção do Cabo (Campeã).
Em 1996, num momento particularmente difícil para os transportes públicos, a empresa passou para o controlo do “Grupo JoaIto”, juntamente com a empresa vimaranense “Transcovizela”, assumindo, por exemplo, a cor azul como marca corporativa, mais tarde escurecida.
Quando em junho de 2001 mudou o seu estatuto para Sociedade Anónima (“SA”), os acionistas citados foram José Luís Carrilho Agostinho de Almeida, “Lagalgest – Prestação de Serviços, Gestão e Participações, L.da”, Amandie Alberto Fernandes Ribeiro de Oliveira (filho de Carlos Feliciano de Oliveira e proprietário original da “Transcovizela” e ex-sócio da “Cabanelas & lrmão”), Laurentino Agostinho de Almeida e Manuel Antonio Carrilho Agostinho de Almeida.
Em 2002, a “Auto-Mondinense” foi integrada no “Grupo Joalto”, na época um dos maiores operadores de transporte rodoviário em Portugal, passando posteriormente (2010) a fazer parte da “Transdev Norte, SA”, subsidiária da multinacional “Transdev”, especializada em transportes públicos.
Tanto quanto é possível saber hoje, da história da empresa mondinense, até à data da sua integração no “Grupo Joalto”, constam 75 autocarros, dos quais Fernando Gomes e Luís Sousa recolheram já mais de seis dezenas de imagens.
A “Auto-Mondinense” – afirma-se nas fontes digitais – integrou a União de Transportadores para Importação e Comércio (UTIC), fundada em 1944, em Lisboa, pelas mais importantes companhias rodoviárias de passageiros, tinha como principal finalidade manter peças a preços competitivos para utilização nos autocarros destas empresas. Após a segunda guerra mundial, importava chassis diretamente dos produtores, situação que mudou com a instalação de uma unidade em Cabo Ruivo, que servia para o fabrico de carroçarias próprias.
A maioria dos veículos da transportadora mondinense vinha então da UTIC, o que aconteceu até 1957, altura em que foi comprado o primeiro autocarro importado, um “AEC Regal IV”, carroçado por Alfredo Caetano, seguido depois por um “AEC Reliance”, de 1961, e mais tarde um “AHG91”. Um “Daimler Freeline”, o segundo da empresa, foi também adquirido à STCP em 1970.
Os autocarros “AEC” e “UTIC-Leylands” foram a base da frota de 1963 a 1980, com ênfase especial para os modelos “CHSG690M” e “CSPTL11 R”, depois dos quais a “Scania” se tornou o fornecedor preferido.
Um autocarro articulado “Volvo B1OM/Mota” foi entregue em 1992, seguido por um segundo “B58” articulado de Estocolmo, mas nenhum deles teve grande impacto, operando apenas em rotas curtas a partir de Guimarães. [JPM].
NOTA DA REDAÇÃO — O Terras de Basto agradece a cedência das fotografias a Bruce Tilley, Andrew Johnson e às Herdeiras de José Maria Carvalho Gomes.





