Três décadas depois de os socialistas terem chegado ao poder em Cabeceiras de Basto, foi à quarta sessão ordinária da assembleia municipal do terceiro ano do mandato autárquico em curso que foi possível ver um eleito do PS contra outro, a digladiarem-se perante um plenário que discutia algo tão unânime e pacífico como um sinal de solidariedade para com os bombeiros locais, massacrados pela vaga de incêndios destes dias finais de verão.
Aconteceu sexta-feira (20), durante o período de “antes da ordem do dia”, depois de o líder do grupo partidário da coligação de direita, Manuel Sá Nogueira, ter apresentado sugestão, concertada com o presidente da Assembleia Municipal e com os líderes dos restantes grupos, para atribuição da senha de presença dos participante no plenário que assim o desejasse aos Bombeiros Cabeceirenses.
«A Assembleia Municipal (…), sob proposta da conferência de líderes dos grupos municipais e com o acordo do presidente, Joaquim Barreto, decidiu propor: que o valor das senhas de presença dos elementos que a compõem, que assim o desejem, seja entregue à Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Cabeceiras de Basto, em reconhecimento do excecional e abnegado trabalho realizado durante esta semana para combater os fogos florestais e poder fazer face às despesas extraordinárias que teve de realizar; que seja votado um louvor a todos os que realizaram esse trabalho em prol da comunidade e que ajudou a minimizar os prejuízos», leu o social-democrata Sá Nogueira.
Depois de ter enfatizado que a sugestão lhe fora feita por Sá Nogueira e que, sem que fosse uma proposta formal — o que obrigaria à sua formalização com a antecedência de 48 horas — tinha registado a adesão dos restantes grupos, o presidente da mesa esclareceu então que o líder do grupo socialista lhe havia transmitido, a si e aos restantes líderes, que o assunto tinha a sua concordância, mas que, como decorre da lei, cada um dos eleitos do seu grupo tinha óbvia liberdade para decidir como melhor entendesse.
Depois de Marco Gomes, líder do grupo “IPC”, ter dito que se associava à proposta feita, subiu então ao púlpito o líder do grupo socialista, Domingos Machado, para «reconhecer o caráter meritório da iniciativa», a que dava o seu «apreço e concordância pessoal», embora não pudesse falar «pela totalidade dos membros» da sua bancada.
«É, sobretudo, uma manifestação de solidariedade e uma manifestação de gratidão relativamente a uma associação humanitária, que é de Cabeceiras de Basto», sublinhava, acrescentando que tal proposta não lhe merecia «qualquer reserva». «Antes pelo contrário, merece o nosso aplauso esta iniciativa, cabendo a cada um assumir as suas responsabilidades», dizia ainda, expressando o seu «aplauso» à proposta com origem nos sociais-democratas.
Quem não gostou nada de ver o seu líder a concordar daquela forma com os adversários foi José Lopes, que, usando da palavra, preferiu focar-se, não no gesto de solidariedade e gratidão, mas no montante a transferir para os bombeiros se eventualmente todos os eleitos se decidissem a transferir a respetiva senha, ou seja, cerca de 2.000 euros.
«Esta proposta é altamente insignificante, demagógica, populista e eleitoralista. É como quem pega num trompete para dizer que fez alguma coisa e não fez nada. É tão insignificante que eu quase diria mesquinha, porque os 2.000 euros que a Assembleia vai dar aos bombeiros é uma insignificância», verbalizava, admitindo, embora, que a proposta tivesse uma «boa intenção» na sua origem.
«E dispenso-me de citar frases bíblicas dos próprios Evangelhos, onde se diz mal, muito mal, daqueles que pretendem usar trompetes para anunciar assuntos banais, porque usam-no como hipócritas, fariseus… daqueles que querem fazer público aproveitamento de uma questão insignificante, residual, miserabilista», repetiu José Lopes.
O eleito socialista ousou mesmo provocar o colégio municipal, propondo-lhe «dar alguma coisa que valha a pena»: «um subsídio “ad hoc”, que nos caiu do céu (…), de 100 euros, agora em outubro» e «o subsídio natal, que já são mais umas coroazinhas». «Isto é populismo, é insignificante, é residual, é miserabilista», repetiu.
Quem não concordou com este posicionamento foi Domingos Machado, que pediu novamente para usar da palavra e considerar «lamentável que se use o termo hipocrisia para atribuir e fazer um juízo de valor sobre a intenção de determinadas pessoas». «Acho lamentável que isso se faça e que se faça aqui uma politização pessoalmente inconsciente sobre aquilo que são as intenções de cada um», disse.
José Lopes pediu então para retorquir, para dizer ao seu «caro líder do grupo parlamentar» que o entendera mal: «devia estar mais atento, a ouvir aquilo que eu disse, provavelmente não estava, porque me deveria ter dado conhecimento prévio da proposta, com a qual se comprometeu, e não deu», acusou. Foi então que se ouviu da bancada, pela voz de Domingos Machado: «eu não me comprometi».
Lopes – que, de acordo com fontes do PS/Cabeceiras de Basto, já naquela semana se altercara com Domingos Machado, durante uma reunião no partido, discordando que continue a ser colaborador do jornal Terras de Basto – insistiu então, «para que fique claro, o senhor interpretou-me mal, porque eu apenas citei, e convido o camarada a pegar na Bíblia que eu citei, porque se eu andei a estudar a Bíblia foi para alguma coisa… Tome nota, capítulo V dos Evangelhos de São Mateus, capítulo V, versículo entre o II e o V… verá que o adjetivo com que a Bíblia classifica aqueles que apregoam com trompetes os donativos que dão a terceiros para efeitos de dizer “eu dei”, para mostrar que deram, são hipócritas. É o adjetivo que lá está, e eu citei antes a Bíblia». [JPM].