A concessão de incentivos financeiros aos produtores de vinho revelou-se motivo de discórdia entre os políticos de Mondim de Basto, designadamente entre aqueles que integram a Assembleia Municipal e que participaram numa sessão extraordinária daquele órgão ao final da tarde desta terça-feira (27).
A sessão extraordinária, com apenas dois pontos na ordem de trabalhos, havia sido agendada a pedido do presidente da Câmara – que se fez representar pelo segundo vereador do seu partido, Amorim de Carvalho – e decorreu calma até ao ponto em que um membro eleito pelo PS teceu considerações menos abonatórias relativamente à proposta de “regulamento de concessão de incentivos financeiros ao desenvolvimento do mundo rural”, o segundo dos assuntos em agenda, sendo que o primeiro, uma alteração orçamental, havia sido já votada de rajada por unanimidade.
A proposta de regulamento – formulada pela presidência do executivo e já com os 30 dias de audiência pública decorridos – subdivide-se nos apoios à produção pecuária, apícola e vinícola, tendo sido esta última a revelar-se como pomo da discórdia: «no artigo 4.º, ponto 3, alínea b) refere como requisito [para a obtenção do apoio] a declaração de bcp e que o vinho tem de ser para venda; significa isto que o pequeno produtor, que produz vinho para autoconsumo, não irá receber esse apoio… Correcto?», perguntou o socialista Carlos Macedo.
A resposta veio pela voz do social-democrata Vítor Costa, que lançou mão dos números relativos a apoios municipais aos produtores do setor primário no exercício socialista antecedente, para os comparar com os benefícios municipais de que auferem agora, sob tutela social-democrata.
«O anterior executivo apenas mantinha um compromisso anual de aproximadamente 16.500 euros para os produtores pecuários, excluindo todos os restantes setores; a aprovação deste regulamento vai permitir que o atual executivo apoie, não só a produção pecuária, mas também a apicultura e a vitivinicultura; relativamente à pecuária, o apoio ascenderá a 47.900 euros, sendo que 19.100 euros são relativos às intervenções sanitárias de 2023 e 28.800 euros relativos a apoios de 2024; relativamente à apicultura, o apoio será de aproximadamente 5.600 euros; e à vitivinicultura, esse valor será de 10.000 euros», contabilizou o eleito do PSD, que arredondou os vários incentivos para 66.500 euros. «Portanto, é só comparar…», desafiava.
E foi neste momento que veio à liça o próprio presidente da Assembleia Municipal, o socialista Humberto Cerqueira, para «partilhar uma preocupação» já por si expressa noutras alturas. «O senhor deputado Vítor Costa apontou aqui alguns dados… Eu fazia a pergunta, se esses dados foram obtidos via oficial, se são públicos, ou se a eles teve acesso por via privilegiada?», interrogou o presidente, obtendo do próprio a resposta de que «são públicos».
Humberto Cerqueira, ex-presidente do executivo, referia-se, por exemplo, ao «número de candidaturas» citado por Vítor Costa, aproveitando para sublinhar que «nenhum deputado [municipal] pode usar informação privilegiada no exercício das suas funções, o que significaria a violação de uma regra básica».
A intervenção do presidente do colégio municipal acabou por levar a uma reação tempestiva do eleito social-democrata, que se dirigiu para o púlpito, obrigando Humberto Carneiro a repetir-lhe que ainda não lhe tinha dado a palavra, como era da sua competência. Instantes depois, Vítor Costa havia de se queixar daquela que seria «a sétima, oitava ou nona vez que se fazem observações extraordinárias a membros da bancada do PSD», insinuando mesmo uma alegada dualidade de critérios por parte do presidente daquele órgão.
Este “quiproquo” haveria de terminar com o socialista Carlos Macedo a pedir a Vítor Costa que lhe desse conta de onde retirou os dados usados e este a assumir que lhe enviará a indicação da fonte usada.
Os trabalhos evoluíram, assim, com uma intervenção do vereador em substituição do presidente, que procurou enquadrar a proposta de regulamento em causa e os seus objetivos, designadamente «o desenvolvimento sustentável das economias familiares dos mondinenses», «a coesão territorial» e «a manutenção de um ecossistema agrícola, florestal e pecuário, que é importante, não apenas ao nível do rendimento direto dos produtores, mas que assume importância fulcral no turismo de natureza, que dá tão bons resultados».
Já na resposta a Carlos Macedo — «como controla o Município se o vinho é para venda ou para consumo?» — Carlos Amorim Carvalho, que não tinha resposta preparada, havia de arriscar com a existência do manifesto, documento essencial para o registo da produção.
O eleito socialista haveria de subir ainda à tribuna para insistir na convicção de que, se o regulamento insistir na atribuição de apoio apenas aos produtores de vinho para comercialização, «então os pequenos produtores nunca vão receber nada». «Estamos a falar de um apoio de 25 euros até três hectares, de 10 euros de 3 a 10 hectares, e de cinco euros de 10 hectares para cima», lembrou.
Dando mais uma achega para desinquietar os sociais-democratas, Macedo afirmaria ainda que tinha a ideia de ouvir o presidente da Câmara contabilizar todos estes apoios em 100 mil euros. «O senhor deputado Vítor fala em 66 mil euros… Gostava de saber qual a explicação para a diferença destas duas posições», disse.
O resumo deste debate haveria de ser feito, aliás, pelo próprio representante socialista, quando, na tribuna, afirma que não lhe parece «que seja um incentivo de 25 mil euros que leva alguém a montar uma vinha».
Novo “quiproquo” surgiu, entretanto, quando o presidente da Assembleia Municipal, «que também vota», propõe a votação daquele ponto da ordem de trabalhos em separado, ou seja, que cada um dos regulamentos referentes a cada setor agrícola em causa fosse votado por sua vez. «Não me causa nenhum problema de consciência votar favoravelmente o apoio à agricultura e à pecuária, (…) mas tenho muito dificuldade, mesmo muita dificuldade, em perceber o apoio aos viticultores», explicitou.
«Tentei perceber quanto custam umas tesouras da poda, um pacote de sulfato… para perceber a lógica disto; alguém acredita que uma pessoa que tem 10 hectares de vinha, que produz x litros de vinho, uma atividade comercial rentável, vá receber 50 euros por ano? Alguém aqui nesta sala acredita que isto é um incentivo?», voltou a interrogar-se para concluir que «a política também tem de se fazer com clareza e com lógica».
Humberto Cerqueira haveria de considerar mesmo «absolutamente ridículo que alguém que tem 10 hectares de vinha receba dinheiro dos impostos dos mondinenses». O assunto haveria, contudo, de seguir para votação, depois de Vítor Costa observar que a proposta, já aprovada em sede de executivo, esteve em consulta pública e não obteve nenhuma sugestão de alteração. «A consulta pública é para quem não tem voz; os vereadores fazem na reunião de câmara; os membros da assembleia fazem agora aqui», retorquiu o socialista que lidera este órgão.
Votação final: nove votos a favor, 11 abstenções. O que significa que foram os socialistas quem, verdadeiramente, aprovou este documento.
Os valores em causa
Tal como o Terras de Basto noticiou já, no setor pecuário, a proposta em causa atribui um incentivo anual, por animal, de 10 euros para os bovinos para recria ou engorda, concretamente para novilhos com mais de 12 meses, ou de 15 euros para bovinos destinados à produção de carne, concretamente para reprodutores com mais de 24 meses. Já no caso dos ovinos e caprinos para produção de carne, com mais de 12 meses, serão apoiados com 2,5 euros.
No caso das raças autóctones, a majoração a atribuir varia entre 18 e 22,5 euros por animal no caso de bovinos de raça maronesa para produção de carne; entre 3 e 3,75 euros para ovinos “Churra do Minho” para produção de carne; e igualmente entre 3 e 3,75 euros para caprinos de raça “Bravia” para produção de carne.
No setor apícola, o montante do incentivo é de 2 euros por colónia, nas primeiras 30, e de 1,5 euros nas restantes.
Já no setor vitícola, o montante a atribuir tem em conta a superfície utilizada, sendo de 25 euros por hectare no caso de uma área menor de 3 hectares, de 10 euros por hectare no caso de uma área menor de 10 hectares, e de 5 euros por hectare no caso de uma área maior ou igual a 10 hectares.
O incentivo a atribuir a cada produtor tem o limite máximo de € 1000 euros por cada ano civil. O total dos incentivos não poderá ultrapassar os 1.500 euros por requerente se se candidatar a mais do que um setor.
O concelho de Mondim de Basto – conforme é assumido – é eminentemente rural, nele ganhando especial importância as atividades pecuária, apícola e vitivinícola, que assentam fundamentalmente na pequena exploração de natureza familiar, «caracterizada pela conhecida dificuldade financeira». [JPM].