A jornalista e escritora Rosabela Afonso considera que, cinquenta anos depois do “25 de Abril”, ainda permanecem «tiques de autoridade» em muitos meios no que respeita à menorização da Mulher face ao Homem, o que prova que «não basta legislar para que a igualdade aconteça efetivamente».
Falando em Cabeceiras de Basto, numa palestra evocativa do Dia Internacional da Mulher, a colaboradora do Terras de Basto admitiu ter havido «alguma evolução» no que se refere aos direitos da Mulher, mas que, «na realidade, muito está por fazer».
«Claramente, já não estamos no tempo em que a mulher casada estava dependente do marido, em que este tinha direito a abrir a correspondência da mulher, em que ela precisava de autorização para ser comerciante ou exercer qualquer outra profissão, em que tinha apenas um papel secundário no que respeitava ao poder parental», disse.
Ao falarmos hoje de igualdade – sublinhou Rosabela Afonso – há aspetos em que tudo cai por terra, por exemplo no que diz respeito ao tempo dedicado por homem e mulher às tarefas domésticas e aos cuidados com familiares. «Claramente, as mulheres dedicam muito mais horas do que os homens, todos conhecemos casos em que os homens dedicam zero horas às tarefas domésticas! Estou a falar em 2025».
A antiga profissional da RTP, com origens em Gondiães – Cabeceiras de Basto, chamou à colação a violência doméstica para realçar números que falam por si: «os dados comparativos registam, no período entre 2005 e 2022, um aumento de 178%! Quanto mais evoluímos enquanto civilização, a mais barbaridades assistimos nas relações de intimidade», disse, lembrando que, «em 2021, foram vítimas de violência doméstica 29.258 mulheres e 11.167 homens».
«Este ano de 2025, só em janeiro, foram assassinadas cinco mulheres, num dos casos também foi assassinada a filha dela, com 17 anos. Ainda segundo dados da PJ, também foram registadas quatro violações e dois abusos sexuais de menores. Um início de ano demasiado trágico. E em 2024, só nos primeiros nove meses, foram registadas 555 violações», enfatizou.
Falando perante uma plateia muitíssimo reduzida – o mau-tempo e a falta de mobilização da organização municipal assim o ditaram –, a escritora sublinhou a demora da absorção cultural de que conceitos como o da igualdade, uma dificuldade que assenta, desde logo, na «falta de vontade de cerca de metade da sociedade – a masculina».
O que não se entende – insistiu – porque a outra metade, a feminina, é constituída pelas mães da primeira metade. «Concluímos que é cultural, os primeiros não querem prescindir dos privilégios adquiridos. Creio ser a única explicação», disse, ressalvando «que nem todos os homens pensam dessa forma», alguns até «têm estado ao lado das mulheres nesta luta pela igualdade».
«Desde sempre, as mulheres têm desafiado e trabalhado para que a transformação ocorra. Tarefa muito difícil, sem o necessário acompanhamento de uma legislação vigorosa e justa que tal imponha. Só com imposição legal se verificará e, mesmo assim, descobrirão sempre subterfúgios para fugir ao cumprimento da lei», comentou.
Foi neste contexto que Rosabela Afonso lembrou os exemplos das suas biografadas na coleção “As Mulheres e a República”: Carolina Beatriz Ângelo, Adelaide Cabete, Maria Veleda, Ana de Castro Osório, Angelina Vidal, Maria Emília de Sousa Costa, ou Maria de Lourdes Pintassilgo, exemplos para ilustrar que «sempre houve mulheres e, também alguns homens mais justos e esclarecidos, que pugnaram pelo caminho da Educação como meio de construção de um país com uma sociedade mais culta, igualitária e justa».
Pese embora todos os obstáculos, a escritora relevou o papel das políticas públicas e da sociedade civil que foi obrigando a que as coisas acontecessem: «hoje podemos observar o crescente papel das mulheres, quer em contextos sociais, profissionais, políticos ou outros, até em posições de liderança».
Entre 1976 e 2022, a percentagem de mulheres eleitas para a Assembleia da República aumentou substancialmente, de 5,7% para 37%. Mas, para que tal acontecesse teve de ser aprovada a Lei da Paridade. Só com legislação, de facto, as mulheres têm conseguido avanços, apesar de, como é reconhecido, elas estarem em maior número nas Universidades e com melhores resultados», realçou ainda.
Não obstante os avanços verificados, Rosabela Afonso considera que «há ainda um longo caminho a percorrer para que a igualdade seja uma realidade», «para que mulheres e homens tenham condições de vida idênticas em todas as áreas e circunstâncias».
A palestrante trouxe igualmente à sua intervenção a «situação revoltante» da «diferença salarial para trabalho igual». Nalgumas carreiras – disse – parece haver igualdade salarial, uma vez que é utilizada uma tabela por escalões, aparentemente igualitária. No entanto, «os acessos não são iguais para mulheres e homens, há sempre quem descubra formas de dificultar o acesso às mulheres e facilitar a chegada dos homens aos topos de carreira», assumiu.
Referiu-se ainda a um debate que está a ser feito na Suécia sobre a adoção de um novo estilo de vida, designado por “hemmaflickvan”, traduzido à letra como “namorada que fica em casa”, ou seja, mulheres que não escolhem uma carreira profissional, não sonham com sucesso, fortuna ou independência, optando por ficar em casa e ter uma vida tranquila e dependente da mesada do companheiro.
«Foi feita uma pesquisa, cujos resultados são preocupantes, digo eu! Num universo de jovens até aos 15 anos, 14% das meninas desejam esse estilo de vida. A explicação reside, diz a pesquisadora, como reação à pressão para ser uma “girl boss”, ou seja, a exigência para que as mulheres tenham sucesso em tudo. Ainda não há muitos dados. Porém, segundo o artigo que li, algumas já vivem segundo esse novo modelo e afirmam nunca terem sido tão felizes. Enquanto eles trabalham, elas vão ao ginásio, ao café ou tratam da casa», contou, explicando por que lhe parece «má ideia»: «Talvez porque a rotina mata? Talvez porque terão um problema acrescido no dia em que se zangarem e tiver lugar uma separação? Talvez porque viver de mesada tem idade e esgota-se com o passar do tempo? Talvez porque, quando chegar a depressão, até para pagar ao psicoterapeuta terão de estender a mão?», interrogou-se retoricamente. [JPM].
