O Município de Cabeceiras de Basto propõe-se criar no próximo ano um prémio de investigação com o nome do cabeceirense Júlio Henriques, botânico, micólogo, pteridólogo e algólogo, professor na Universidade de Coimbra, onde foi grande impulsionador da introdução dos modernos estudos botânicos em Portugal.
Júlio Augusto Henriques, natural de Arco de Baúlhe, fundou a Sociedade Broteriana e desenvolveu e consolidou o Herbário da Universidade de Coimbra e o Jardim Botânico de Coimbra, tendo realizado extensas expedições botânicas em Portugal, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.
Na extensa rede científica que estabeleceu, participaram como coletores naturalistas e amadores de múltiplas regiões portuguesas e das colónias africanas, bem como cientistas de toda a Europa.
De acordo com o Município, o Prémio Municipal Júlio Henriques destina-se a galardoar anualmente o autor ou autores da «melhor investigação em temáticas concelhias». «Pretende-se, através da mobilização de investigadores e autores, afirmar Cabeceiras de Basto enquanto município que aposta no potencial da investigação como motor do desenvolvimento local», diz.
Já em 13 de junho de 2023, o município cabeceirense rendeu homenagem ao botânico arcuense, atribuindo o seu nome à Biblioteca da Escola Básica do Arco de Baúlhe, uma cerimónia que compreendeu o descerramento de uma placa alusiva à efeméride, à entrada da biblioteca.
Completados os estudos primários na terra natal, em 1854, Júlio Henriques foi para Coimbra completar o ensino secundário e fazer os preparatórios para ingressar na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Foi admitido como aluno interno no Colégio de São Bento, onde lhe foi destinado um quarto, que veio a conservar como local de trabalho até falecer.
A 10 de setembro de 1855 matriculou-se na Faculdade de Direito, tendo concluído o bacharelato em Direito em 1859. Complementou a sua formação com a frequência de uma especialização em Direito Administrativo, que lhe seria útil na execução de tarefas de gestão inerentes os vários cargos de gestão universitária de que se ocupou ao longo da vida.
Apesar de formado em Direito, optou por não exercer advocacia e iniciou um percurso que o levaria às Ciências da Natureza. Como ao tempo o currículo do curso de Direito incluía as cadeiras de Química, Física, Mineralogia, Zoologia, Botânica e Agricultura, o interesse que já detinha por estas matérias cresceu ao ponto de, em 1861, reingressar na universidade, agora visando as ciências exatas, ou, como ao tempo estas eram designadas, em Filosofia Natural.
Como se pode ler em artigo sobre si na “Wikipédia”, em 1861, matriculou-se em Matemática, mas, poucos meses depois, formalizou nova matricula, na Faculdade de Filosofia, que então ministrava as disciplinas da área da História Natural, onde conclui o bacharelato, em 1864.
Interessou-se especialmente pela Botânica e, sob a orientação do professor António de Carvalho e Vasconcelos, optou por continuar os estudos nesta área, concluindo a licenciatura em Filosofia, que ao tempo incluía as Ciências da Natureza, em 26 de Junho de 1865. Obteve o grau de Doutor em Filosofia com a aprovação de uma dissertação intitulada «As espécies são mutáveis?».
Júlio Henriques defendeu a sua dissertação de doutoramento apenas seis anos após a publicação da obra de Charles Darwin, podendo ser considerado o primeiro darwinista na conservadora comunidade académica portuguesa. A admiração por Charles Darwin esteve presente em toda a sua carreira.
No ano imediato, 1866, concorreu a um lugar de professor substituto extraordinário da Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra, apresentando como dissertação para o concurso a tese intitulada «Antiguidade do Homem», obra que, bem recebida nos meios académicos, está concebida numa perspetiva da antropologia física, analisando as evidências fósseis e arqueológicas relevantes para o estudo da evolução humana então conhecidas.
A abordagem segue uma linha ecológica, analisando o enquadramento da espécie “homo sapiens” face ao que se conhecia dos paleo-ambientes associados à presença humana, defendendo as teorias evolucionistas das espécies.
Esta abordagem, inovadora no contexto do ensino da Zoologia então corrente em Portugal, afasta-se do criacionismo e fixismo estão dominantes e introduz em Portugal a problemática da evolução do homem. De forma corajosa e em claro contraponto com as crenças religiosas ao tempo arreigadas, depois de passar em revista os principais achados arqueo-antropológicos na Europa, defendeu que à origem do homem era aplicável a teoria da transformação, «tão conforme ao plano geral da organização dos seres vivos e aos factos paleontológicos».
Entre 1866 e 1873, Júlio Henriques exerceu o cargo de secretário da Faculdade de Filosofia, ao mesmo tempo que auxiliava no ensino das cadeiras de Filosofia Natural, particularmente quando a doença do lente titular se agravou. Neste período os seus interesses em matéria de investigação foram gravitando para o estudo das plantas das regiões tropicais.
Sob a sua direcção, o Jardim Botânico de Coimbra passa a ser o centro da investigação botânica e local de ensaio agronómico, dedicando-se ao estudo e cultivo de plantas com interesse agrícola nas regiões tropicais, visando o aproveitamento das potencialidades agrícolas das colónias portuguesas em África. Durante as quatro décadas em que dirigiu o Jardim Botânico de Coimbra, milhares de plantas com interesse para a agricultura colonial nasceram e foram criadas nas suas estufas e enviadas para as colónias, nomeadamente para Angola e para a ilha de São Tomé.
Também na vertente do ensino e investigação, Júlio Henriques introduziu profundas alterações no funcionamento da sua Faculdade, pois apesar da crónica escassez de recursos, era homem empreendedor e visionário, capaz de ultrapassar os múltiplos obstáculos que foram surgindo. Foi criando as condições necessárias para dar qualidade ao ensino, nomeadamente revendo a componente prática, com a implementação do trabalho laboratorial e de campo, que considerava vertentes fundamentais do ensino.
Para além da sua paixão pela Botânica nutria um grande interesse pelas artes, tendo aceitado ser, durante muitos anos, vogal do Conselho de Arte e Arqueologia. Foi também presidente da Associação Filantrópico-Académica de Coimbra.
Jubilado a 16 de Março de 1918, já com 80 anos de idade, continuou a trabalhar como naturalista e diretor do Herbário da Universidade de Coimbra até praticamente à data do seu falecimento, ocorrido a 7 de Maio de 1928, quando tinha 90 anos de idade. Não aceitou condecorações de qualquer natureza e nunca exerceu funções políticas, dedicando a sua vida inteiramente à Botânica. [Redação].