Na Quinta da Chouza, em Fermil de Basto, a marca “Chão do Rio” faz do método clássico uma afirmação do “terroir”. Arinto, padeiro e paciência: vinhos de prova e de lugar.

Por Ana Margarida Pereira
Entre um ribeiro de águas claras, dois moinhos recuperados e uma pequena praia que pede pés descalços, nasce um espumante com sotaque de Basto. Na Quinta da Chouza, a marca “Chão do Rio” transformou a geografia em rótulo e o tempo em método. São vinhos brancos e espumantes que estagiam meses, por vezes anos, até chegarem à mesa. «Quero um espumante de lugar, mais de mesa do que de festa», resume o engenheiro-agrónomo Francisco Paulo Oliveira, enquanto aponta a casa-moinho que inspirou o nome e a imagem da marca.
O nome veio da terra, literalmente. «A marca “Chão do Rio” nasceu da nossa pequena praia fluvial. O rótulo mostra a casa-moinho e a mó, que lembram esse passado», conta. O batismo cristaliza uma paisagem: o ribeiro que atravessa a propriedade, as quedas de água, as lagoas, a sombra generosa das árvores, um cenário que acolhe hoje a sala de provas e dá sentido ao enoturismo.
A Quinta da Chouza é um projeto autoral, feito do zero. Não há heranças agrícolas, nem um catálogo de vinhas compradas a terceiros. «A quinta é um projeto exclusivamente meu». A viticultura é concentrada e controlada: 2,5 hectares de vinha, uva própria e transformação na adega da casa. «Há anos em que produzo mais, outros menos. A escala é pequena por opção», explica.
O portefólio começou com vinhos brancos e, há três anos, ganhou espumantes. Hoje é o espumante que conduz a narrativa. A escolha das castas obedece à sub-região: Trajadura e Arinto são pilares, o Padeiro de Basto oferece a via rosé e o Alvarinho entra como exceção consciente. «Faço questão de que as castas predominantes sejam as indicadas para Basto», sublinha. O Arinto, em particular, tornou-se a espinha dorsal da bolha, pela acidez firme, pela tensão e pela capacidade de estágio prolongado. «Escolhi o Arinto pela acidez e pela forma como aguenta anos de cave. Procuro um espumante gastronómico», justifica.

A identidade visual também conta a história. No rótulo, a casa-moinho do alojamento e o ícone da mó resumem a memória do lugar e o passado da moagem. Não é apenas uma imagem: é um compromisso de transparência. Francisco insiste que a garrafa “ensine” quem a lê. Ano do vinho base, data da tiragem para segunda fermentação, estilo definido na dosagem. «Nas garrafas deve dizer-se tudo o que é essencial. Transparência gera confiança», diz.
Produzir aqui é, ao mesmo tempo, negócio e preservação. O produtor deixou a vida de consultor e formador para se dedicar aos projetos agrícolas, ao turismo e ao vinho, mas recusa separar a aventura económica da missão cultural. Defender a sub-região e as suas castas, trabalhar com o que o sítio pede, aceitar a sombra das árvores mesmo quando custa em quantidade. «A quinta vive do lugar: ribeiro, sombra, humidade. Produzimos sem rega. Às vezes com menos uva, mas com identidade».
O resultado está na garrafa e na cave: reservas com nove e catorze meses de estágio e um “super reserva” que dorme vinte e seis meses antes do acabamento. Pequenas séries, cerca de quatro mil garrafas anuais, que saem da enoteca para a mesa local e, em caixas, para vários países europeus e para os Estados Unidos. Mais do que números, interessa a ideia: um espumante de Basto com assinatura, nascido «no Chão do Rio», pensado para a mesa e fiel ao sítio que o inspira.

O espumante de Basto
A aposta fez-se naturalmente. Depois de oito anos a produzir vinhos brancos, Francisco Paulo Oliveira decidiu olhar para a bolha como desafio técnico e caminho de futuro. «O espumante é um produto muito diferente do vinho. Espero que haja cada vez mais consumo e que as pessoas percebam que não serve apenas para festas. Quero que seja gastronómico, que acompanhe a refeição».
Na região, a tendência é recente, mas visível. «Há três ou quatro anos havia muito menos produtores de espumante. Hoje já somos mais, e ainda temos margem para crescer». A diferença, explica, está no processo. O método clássico exige paciência, cave fresca e rigor técnico. A cada garrafa corresponde uma segunda fermentação, um estágio prolongado e uma decisão final sobre o estilo.
O “Chão do Rio” já se distinguiu com certificação de «espumante de qualidade de vinho verde», atribuída pela Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes. O “super reserva”, com vinte e seis meses de cave, recebeu o designativo de “colheita selecionada”, distinção rara neste segmento.
A escolha do Arinto como casta principal não foi por acaso. A acidez firme e a estrutura tornam-no ideal para espumantes de guarda. A convicção do produtor foi reforçada por dois jovens franceses, vindos da região de Bordéus, que visitaram a quinta há alguns anos. «Na altura, tinha um vinho exclusivamente de Arinto. Eles provaram e disseram que encontravam nesta casta características muito próximas do “Chardonnay”, base dos grandes champanhes. Foi um sinal de que estava no bom caminho».
Hoje, o portefólio integra três níveis de estágio: nove meses, catorze meses e vinte e seis meses. O Arinto domina, mas o Padeiro de Basto já originou dois rosés distintos, um meio seco e um bruto natural. «São produtos diferentes, com mais ou menos açúcar, mas sempre feitos a partir do que a vinha nos dá. O objetivo é continuar a diversificar sem perder a identidade da sub-região».
A receção tem sido positiva. O “Chão do Rio” não é produzido em grandes volumes, cerca de quatro mil garrafas por ano, mas já chega a mercados exigentes. Escócia, França, Polónia, Espanha, Bélgica e Estados Unidos receberam pequenos lotes. «Não sou produtor de paletes. Trabalho em caixas, em encomendas pequenas, mas tenho tido aceitação muito interessante. Em França, um grupo de empresários provou os nossos espumantes e levou duas caixas de vinte e quatro garrafas. Para mim, isso vale muito».

Método e cave
Na adega da Quinta da Chouza, o método é clássico e a escala é artesanal. Tudo começa com a prensagem, feita em equipamento moderno, seguida da fermentação controlada a frio. A partir daí, o vinho-base ganha nova vida quando é preparada a tiragem, momento em que se junta levedura e açúcar para provocar a segunda fermentação em garrafa.
As garrafas seguem depois para a cave, onde repousam meses ou anos. É aqui que a paciência do produtor faz a diferença. «Cada garrafa vai dormir durante um período que pode ser curto ou prolongado. Depende do estilo que queremos alcançar», explica Francisco Paulo Oliveira.
O trabalho manual ainda conta muito. Antes do acabamento final, as garrafas passam pelos pupitres de madeira. Durante dois meses são giradas um quarto de volta por dia, num processo conhecido como “remuage”. No final, chega o momento do “dégorgement”: a cápsula provisória é retirada, expulsam-se as impurezas acumuladas no gargalo e decide-se o estilo do espumante.
A dosagem dita a diferença entre um bruto natural, sem adição de açúcar, um bruto com até doze gramas por litro, um seco, um meio-seco ou até um doce. Na sala de provas da enoteca, é possível encontrar exemplos destes estilos lado a lado, todos elaborados com o mesmo cuidado.
«Faço o espumante como se faz em França. O método é o mesmo. O que varia é a escala e o sítio. Aqui, trabalhamos apenas com as uvas da quinta e com atenção a cada garrafa», explica.

Provar onde tudo acontece
Mas a Quinta da Chouza não é apenas vinha e adega. É também um espaço de agroturismo, pensado para famílias e para quem procura a experiência completa do vinho. O ribeiro, a praia fluvial, os moinhos recuperados e a piscina ao ar-livre compõem o cenário de um turismo que cruza natureza, descanso e prova de espumantes.
As casas de alojamento estão distribuídas por três núcleos independentes. A casa principal tem três quartos e as casas-moinho oferecem mais dois, todos com casa de banho privativa. Cada espaço dispõe de cozinha própria e zona de churrasqueira. A piscina comum tem espreguiçadeiras identificadas para cada casa e há ainda um pequeno barco para passeios na praia fluvial.
As visitas de enoturismo seguem sempre o mesmo percurso: passeio pelos moinhos e pela praia, passagem pela vinha, entrada na adega e descida à cave. O momento alto é a prova. Francisco Paulo Oliveira costuma entregar aos visitantes garrafas ainda por rotular, permitindo que participem no processo final de colar o rótulo ou colocar a cápsula. «É um gesto simples, mas cria memória. Muitos filmam ou fotografam esse instante».
Há também histórias inesperadas. Famílias estrangeiras que chegam a Portugal pela primeira vez e decidem ficar em Fermil de Basto, atraídas pelas imagens do barco e da praia fluvial. Crianças que insistem em regressar à quinta depois do almoço, dispensando passeios a Guimarães, Braga ou Porto. Visitantes que pedem para levar a garrafa e os copos para a beira do ribeiro e provar o espumante com os pés na água.
O calendário de alojamento abre de março a outubro e encerra no inverno. A procura é tal que muitos hóspedes reservam com meses de antecedência. «Temos só cinco alojamentos. É pequeno por opção. Não queremos perder a escala familiar e o acolhimento personalizado», adianta.
Mais do que dormir ou provar, trata-se de viver o lugar. No fim, cada visitante leva para casa uma garrafa, mas também a memória de um espumante que nasce na paisagem onde foi servido.
Um terroir com sombra e futuro
As alterações climáticas são hoje um dos maiores desafios da viticultura. Na Quinta da Chouza, Francisco Paulo Oliveira acredita que o sítio ainda oferece condições privilegiadas. «Não tenho sistema de rega e consigo produzir sem essa necessidade. O ribeiro atravessa a quinta, a humidade é constante e a arborização protege a vinha». A sombra das árvores pode reduzir a produção, mas o produtor prefere manter esse equilíbrio natural. «Às vezes, há menos uva, mas o resultado tem identidade».
O futuro passa por consolidar a linha de espumantes. O Arinto continuará a ser a base dos brancos, enquanto o Padeiro de Basto sustenta os rosés, já disponíveis em versão meio-seco e bruto natural. O “super reserva” de Arinto, com vinte e seis meses de cave, é hoje a referência mais prestigiada, mas há um objetivo em curso: lançar um “mega reserva” com mais de três anos de estágio. «Será um produto que queremos marcar pela diferença».
A área de vinha não deverá aumentar. São 2,5 hectares que ainda não atingiram o pleno de produção e que poderão crescer em rendimento sem necessidade de expansão. O foco é a qualidade e a consistência, não a quantidade.
No enoturismo, a ambição é manter a escala familiar e acrescentar apenas um alojamento especial, pensado para um público mais diferenciado. O calendário já atrai visitantes de todo o mundo e reforça a notoriedade da marca.
Para a região, Francisco Paulo Oliveira deixa uma proposta: criar um evento anual dedicado em exclusivo ao espumante. «Já temos produtores suficientes para justificar. Celorico, Cabeceiras e Mondim deviam avançar. Seria um marco e ajudaria a afirmar a sub-região no contexto dos Vinhos Verdes», diz.







Obrigado pela oportinidade na qual resultou um excelente artigo.