A anunciada construção de um centro desportivo no Lugar das Cerdeirinhas, em Refojos-Cabeceiras de Basto, está a condicionar o discurso político da presidência da autarquia, depois de, há já quatro anos, ter motivado um dos números mais falsos da pré-campanha autárquica, com a apresentação de uma projeção “3D” daquele que seria – assim o fizeram crer os socialistas – o novo estádio municipal.
O assunto, também à falta de quaisquer outras motivações, tem centralizado a discussão entre a presidência municipal e a vereação de direita, desde o início do mandato, a que se juntam algumas vozes populares, que se fazem sentir particularmente nas redes sociais.
Sem que um prego tenha sido pregado durante estes quatro anos na crescente ruína do património municipal que é o campo de jogos das Cerdeirinhas, o tema tem perseguido o quotidiano da liderança autárquica, que nunca teve o ensejo de cumprir a palavra dada em tempos de campanha eleitoral, encontrando formas de financiar tal compromisso e tal necessidade.
Aliás, não são poucas as vozes zangadas a lembrar amiúde que «o novo campo de futebol devia ser pago por quem, na Câmara, deixou chegar a este ponto o património do município que é o campo das Cerdeirinhas». E “este ponto” é um excelso matagal que tomou conta do relvado e da envolvente, bem como a ferrugem que usurpa a estrutura das bancadas e dos balneários.
Ao longo destes anos de mandato, em sede de reunião do executivo, o presidente lá deixou fugir de vez em quando, tantas quantas as vezes que foi instado a pronunciar-se sobre a evolução do projeto, que estava a ser executado, designadamente que estava a ser adaptado para custos mais modestos do que aqueles que anunciara inicialmente, de alguns milhões de euros.
E assim se foi arrastando esta “espada de dâmocles” que paira sobre a presidência da Câmara.
Para piorar a perceção que os cabeceirenses têm desta realidade, surgiu, há uns meses, um grupo de jovens com vontade de reativar o Atlético, clube que chamava de sua a casa agora em ruínas, procurando então que a autarquia reabilitasse o equipamento desportivo para aí instalar a equipa que se propunha inscrever na associação distrital.
Foi então que o líder da oposição social-democrata veio a público, em jeito de vingança face àquela desditosa mentira do projeto “3D” que terá influenciado os resultados eleitorais, desafiar o presidente da Câmara a reconhecer que não tinha sido capaz de cumprir também essa promessa e que, como tal, mandaria agora cortar o mato e nivelar o campo das Cerdeirinhas para que o histórico clube da terra aí pudesse jogar, pelo menos num terreno pelado.
O desaforo não foi bem acolhido e, depois de simular contas aos necessários camiões de saibro, a presidência socialista lá foi sacudindo a água do capote e disfarçando que ainda queria levar à prática o tal centro desportivo, com espaços para diferentes modalidades e coisa e tal… pelo que não fazia sentido estar a investir em soluções intermédias.
De forma disfarçada e com cumplicidades várias, sem contas sérias ao saibro e a outros trabalhos, os jovens dirigentes entretanto eleitos no Atlético Cabeceirense lá foram empurrados para um pelado de São Nicolau, propriedade da Fundação AJGomes da Cunha – erradamente reconhecido para efeitos protocolares como do Grupo Desportivo de São Nicolau – onde têm treinado e onde recebem os adversários, num campeonato daquela que ora se chama primeira divisão da AFBraga.
Feito de grandes e pequenas mentiras, este nefasto percurso dum compromisso eleitoral incumprido aperta agora as consciências de quem não cuidou em tempo de encontrar forma de honrar a palavra e dotar a sede concelhia de um equipamento desportivo decente, que, além de honrar os pergaminhos no que ao futebol respeita, permitisse a prática desportiva às gerações mais novas que crescem na vila-sede e na sua envolvente sem condições para tal.
E se da dor de consciência seria de esperar algum trabalho sério daqui para a frente e que se dissesse a verdade aos cabeceirenses, a opção tem sido a de continuar a disfarçar com pequenas mentiras, afirmando-se a existência de um projeto técnico – que efetivamente ainda não há – e de uma fonte de financiamento para a obra – que, de facto, a que há, não dá para mandar cantar um amblíope.
Incitado pelas notícias do Terras de Basto, que aludiam à dificuldade de encontrar financiamento, e pelas afirmações do líder da oposição, que reafirmava a inexistência sequer de um projeto que se pudesse candidatar a tal financiamento, a presidência da Câmara chama a rádio local para, alegadamente, provar que, ‘não senhor, há projeto e há financiamento’.
«O que é verdade é que, à data de hoje, se fosse necessário apresentar o projeto do centro desportivo de Cabeceiras de Basto, vulgo estádio municipal, estaríamos em condições de o fazer; portanto, o projeto está pronto, falta apenas limar algumas arestas», repetiu várias vezes em antena, na semana passada
Quanto ao financiamento… «neste momento, só temos trezentos mil euros para o estádio», assumiu, perdendo-se em explicações repetidas de que, no âmbito dos fundos geridos pela Comunidade Intermunicipal do Ave através da medida “Investimentos Territoriais Integrados”, cabem a Cabeceiras de Basto milhão e meio de euros, mas dos quais apenas pode gastar até 300 mil no centro desportivo.
«Temos o projeto e a intenção da câmara municipal é avançar com o projeto. Como é que o vamos financiar? Logo se verá. Portanto, temos 300 mil euros cativos para essa requalificação e os outros, 1 milhão e 200 mil, terão de ir para outros equipamentos desportivos que também precisam de serem requalificados», voltou a repetir, garantindo até «a todos os cabeceirenses, em particular àqueles que gostam de futebol e àqueles que gostam do estádio municipal»: «temos um projeto para requalificar o estádio».
E foi no meio destas insistentes repetições que assumiu que o projeto que tem em mente deverá custar um pouco menos do que o anunciado há quatro anos, mas, mesmo assim, qualquer coisa como «à volta de 2 milhões de euros, sensivelmente, para a remodelação total; portanto, uma verba significativa».
De acordo com o autarca, a candidatura desse tal projeto – que não mostrou ainda aos vereadores, apesar de lhes ter dito na última reunião de câmara que precisava de se reunir com eles para lhes falar do assunto – pode ser feita até 30 de dezembro.
Além de lhe faltar «limar as arestas» no projeto e de definir custos e financiamento, aos microfones da rádio o edil pensou alto e… acrescentou novas dúvidas: «também podemos optar por não o requalificar de uma vez só, requalificá-lo por partes, mas o projeto está executado, está executado na sua totalidade».
Embora não saiba ainda sequer se a reabilitação do campo – que outras vezes designa construção de um centro desportivo para várias modalidades – se vai fazer de uma só vez ou por fases, insiste: «o projeto está executado, portanto está pronto para apresentar a candidatura até o dia 30 de dezembro; nós temos o projeto prontinho, falta só, como disse, e eu não me canso de dizer isso, pequenas definições, coisas que de um dia para o outro se resolvem».
E se há quatro anos, em contexto pré-eleitoral, havia garantido um projeto mais arrojado, tal como mostrava a projeção “3D” apresentada em sessão na Casa do Tempo e distribuída nas redes sociais, agora que se prepara para assumir a recandidatura autárquica, chamou os microfones da rádio para ditar “ex-cátedra”: «não é um estádio municipal, mas um centro desportivo, que ficará requalificado para a prática de várias modalidades; poderemos ter de requalificar aquilo por fases, mas vamos, com toda a certeza, requalificar esse espaço».
Assumindo que é «um desígnio municipal requalificar o estádio», tal como havia dito há quatro anos, o autarca esforçou-se ainda, nas ondas hertzianas, a sacudir a água do capote quanto à responsabilidade pelo estado de ruína daquele equipamento desportivo. «É uma infraestrutura que temos ali um pouco abandonada, naturalmente, e não é do meu agrado, nem do agrado de ninguém ter ali um espaço degradado. Mas eu queria também referir que a responsabilidade não é só da Câmara Municipal. É uma estrutura da Câmara, mas que não esteve entregue à Câmara nos últimos anos», ousou, tentando responsabilizar o Atlético Cabeceirense pela degradação e abandono a que foi votado, depois de deixar de o usar e ter entregue as chaves ao senhorio por vazio diretivo.
Outra questão que, neste contexto, o presidente da Câmara de Cabeceiras de Basto prefere não abordar, apesar de ser continuamente chamado à razão pela oposição, prende-se com a carta desportiva do concelho. Além de enunciar muitos outros princípios e descrever a realidade desta área de intervenção municipal e privada, o documento – que devia ter sido elaborado há muito, mas do qual não se sabe absolutamente nada – deveria servir para a definição das características do centro desportivo, desde logo sobre quais as modalidades a privilegiar e os equipamentos a incluir no projeto.
Tal como sobre muitos outros documentos, o presidente da Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto lá tem empurrado o assunto com as expressões que lhe são mais características: «vamos analisar…», «estamos a ver…». [JPM].